A principal distinção entre as igrejas pentecostais e carismáticas em relação às igrejas cristãs tradicionais é a sua compreensão a respeito da doutrina do batismo no Espírito Santo. Em geral, essas denominações creem que o batismo com o Espírito Santo é uma experiência distinta e posterior ao recebimento do Espírito que ocorre no momento da conversão, que deve ocorrer com todos os cristãos e que é manifestada pelo falar em “línguas estranhas”, um pronunciar de sons estáticos e ininteligíveis.

Uma análise bíblica mais detalhada desse assunto pode ser encontrada nos artigos Dom de línguas estranhas influente no meio pentecostal e Perguntas sobre o batismo com o Espírito Santo. Nesse estudo, gostaria de responder à seguinte pergunta: como os escritos da Igreja cristã primitiva tratam o tema? Afirmam de fato que todos devem falar em línguas? Que elas são palavras ininteligíveis? Embora as citações não sejam numerosas, são suficientes para esclarecermos o assunto.

Irineu de Lyon (130-202 d.C.)

“O apóstolo [Paulo] declara: ‘Nós falamos sabedoria entre os que são perfeitos’, chamando ‘perfeitas’ as pessoas que receberam o Espírito de Deus, e que através do Espírito de Deus falam em todas as línguas, como ele mesmo também costumava falar. De igual modo, também ouvimos muitos irmãos na Igreja, que possuem dons proféticos, e que, através do Espírito, falam todos os tipos de línguas, e trazem à luz, para o benefício geral, as coisas ocultas dos homens, e declaram os mistérios de Deus, a quem também o apóstolo chama de ‘espirituais’, sendo eles espirituais porque participam do Espírito.” [1]

Hipólito de Roma (170-236 d.C.)

Não é necessário que cada um dos fiéis deva expulsar demônios, ressuscitar os mortos ou falar em línguas. Mas apenas aquele que foi graciosamente agraciado com o dom - com o propósito de que possa ser vantajoso para a salvação dos incrédulos, que muitas vezes são envergonhados, não com a demonstração do mundo, mas com o poder dos sinais; isto é, aqueles que são dignos de salvação: porque nem todos os ímpios são afetados pelas maravilhas; e o próprio Deus é uma testemunha, como quando diz na lei: ‘Com outras línguas falarei a este povo e com outros lábios, e de modo algum crerão.’” [2]

Orígenes (184-253 d.C.)

[Sobre 1 Coríntios 1413]: “Se quem fala em línguas não tem o poder de interpretá-las, os outros não vão entender, mas ele vai saber o que foi movido pelo Espírito a dizer. Quando ele também é entendido pelos outros, haverá frutos. Aqui, como em outros lugares, somos ensinados a buscar o bem comum da igreja.” [3]

Hilário de Poitiers (310-368 d.C.)

“E aprendemos que toda esta profecia [Joel 2:28-29] foi cumprida no caso dos apóstolos, quando, após o envio do Espírito Santo, todos eles falaram com as línguas dos gentios.” [4]

Cirilo de Jerusalém (313-386 d.C.)

“Mas o Espírito Santo ensinou-lhes muitas línguas ao mesmo tempo, línguas que em toda a sua vida nunca conheceram. Isso é, na verdade, uma sabedoria vasta, isso é o poder divino.” [5]

Gregório de Nazianzo (329-390 d.C.)

“Eles falavam com línguas estranhas, e não com as da sua terra natal; e a maravilha era grande, uma língua falada por aqueles que não a haviam aprendido. E o sinal é para os que não crêem (1 Coríntios 1422) e não para os que crêem, para que isto seja uma acusação dos incrédulos, como está escrito: ‘Com outras línguas e outros lábios falarei a este povo, e nem mesmo assim me ouvirão’ (Isaías 28:11), diz o Senhor.” [6]

Ambrosiastro (?-397 d.C.)

[Sobre 1 Coríntios 1414]: “O que uma pessoa pode alcançar, se não sabe o que está dizendo?” [7]

Ambrósio (337-397 d.C.)

“Nem todos, diz ele, têm o dom de curar, nem todos, diz ele, falam em línguas. Pois o todo dos dons divinos não pode existir em cada um dos vários homens.” [8]

Severiano de Gabala (? – 408 d.C.)

“A pessoa que fala no Espírito Santo fala quando escolhe fazê-lo e então pode ficar em silêncio, como os profetas. Mas aqueles que estão possuídos por um espírito imundo falam mesmo quando não querem. Eles dizem coisas que não entendem.” [9]

João Crisóstomo (347-407 d.C.)

“E como no tempo de construção da torre [de Babel], a única língua foi dividida em muitas, assim, muitas línguas se encontraram frequentemente em um homem, e a mesma pessoa costumava discursar tanto no persa, como no romano, no hindi e em muitas outras línguas.” [10]

“Os coríntios pensavam que falar em línguas era um grande dom porque foi o que os apóstolos receberam primeiro, e com uma grande exibição. Mas isso não era motivo para pensar que era o maior dom de todos. A razão pela qual os apóstolos o receberam primeiro é que era um sinal de que eles deveriam ir a todos os lugares, pregando o evangelho.” [11]

Agostinho de Hipona (354-430 d.C.)

“O Espírito Santo veio, eles foram preenchidos com Ele e começaram a falar com as diferentes línguas de todas as nações que eles não conheciam e não haviam aprendido.” [12]

“...esse milagre [Pentecostes] então prefigurava que todas as nações da Terra deveriam crer, e que assim o Evangelho deveria ser encontrado em toda língua.” [13]

Teodoreto de Cirro (393-457 d.C.)

“‘Pois quem fala em uma língua, não fala para as pessoas, mas a Deus, porque ninguém entende. Mas no Espírito ele fala mistérios.’ (1 Coríntios 14 2) .... Porque isso foi dado aos pregadores, por causa das diversas línguas das pessoas, de modo que alguém que estava indo para o povo da Índia podia levar a pregação divina na língua usada por eles. E novamente, quando discursando com persas, e com citas, romanos e egípcios, eles pregariam a doutrina evangélica nas línguas usadas por cada um.” [14]

“Paulo escolhe o falar em línguas como seu exemplo porque os coríntios pensavam que era o maior dos dons. Isso porque foi dado aos apóstolos no dia de Pentecostes, antes de qualquer um dos outros.” [15]

Pseudo-Constâncio (405 d.C.)

“Ele [Paulo] diz: ‘Se eu vier até você e falar’ na língua síria ou persa, ‘que bem haverá para você’ que não entende?” [16]

Leão, o Grande (400-461 d.C.)

“...o Espírito da Verdade sopra onde quer, as línguas peculiares a cada nação tornam-se propriedade comum na boca da Igreja. E, portanto, daquele dia em diante, soou a trombeta da pregação do Evangelho; desde aquele dia, os aguaceiros de dons de graça, os rios de bênçãos, regaram todo deserto e toda a terra seca; pois para renovar a face da terra, o Espírito de Deus se movia sobre as águas, e para afastar a velha escuridão, lampejos de nova luz brilhavam, quando pela chama daquelas línguas foi acesa a Palavra brilhante do Senhor.” [17]

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Conclusão

Após analisar todas as citações precedentes, que conclusão geral pode ser alcançada? Nas palavras de Nathan Busenitz, do The Master’s Seminary nos Estados Unidos, os escritos patrísticos sugerem que o dom de línguas “consistia na habilidade sobrenatural de falar línguas estrangeiras até então desconhecidas com o propósito de evangelismo e edificação. Nesta base, é seguro concluir que o fenômeno pentecostal predominante ao longo do último século não é o mesmo que o da igreja primitiva. Em vez disso, é de origem recente na história do Cristianismo.” [18]

 

Referências

[1] Irineu de Lyon, Contra as Heresias 5.VI.1.

[2] Hipólito de Roma, Constituições Apostólicas 7.479.

[3] Orígenes, Comentário sobre 1 Coríntios 4.61-62.

[4] Hilário de Poitiers, Sobre a Trindade VIII.25.

[5] Cirilo de Jerusalém, Catechetical Lectures 17.16.

[6] Gregório de Nazianzo, Oração 41:XV.

[7] Ambrosiastro, Comentário sobre as Epístolas de Paulo.

[8] Ambrósio, Sobre o Espírito Santo 2.13.149-152.

[9] Severiano de Gabala, Comentário Paulino da Igreja Grega.

[10] João Crisóstomo, Homilias em 1 Coríntios 35.1.

[11] Idem.

[12] Agostinho, Sermões sobre os Períodos Litúrgicos 267.2-3.

[13] Agostinho, As Cartas de Petiliano, o Donatista 2.32.74.

[14] Teodoreto de Cirro, Comentário sobre 1 Coríntios 142.

[15] Teodoreto de Cirro, Comentário sobre a Primeira Epístola aos Coríntios 243.

[16] Pseudo-Constâncio, Comentário sobre 1 Coríntios 143-5.

[17] Leão, o Grande, Sermões 75.2.

[18] Nathan Busenitz, The Gift Of Tongues: Comparing The Church Fathers With Contemporary Pentecostalism. The Master’s Seminary Journal, v. 17, n. 1, p. 61-78, 2006.

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