Um dos lemas fundamentais da Reforma Protestante foi o princípio “Sola Scriptura”, “Somente as Escrituras”. Esse princípio enunciava que as declarações da Bíblia têm a primazia sobre as opiniões, tradições humanas e concílios eclesiásticos. Apenas a Palavra de Deus constitui-se em uma regra infalível para a doutrina e prática cristãs. Ao apresentar esse fundamento para as suas reivindicações, os Reformadores não estavam apresentando uma inovação, mas buscando um retorno ao padrão da Igreja dos primeiros séculos, conforme as citações apresentadas a seguir. 

IRINEU DE LYON (130-202 d.C.)

“Eles [os hereges gnósticos] obtêm o seu ponto de vista de outras fontes, não das Escrituras.” [1]

“Não aprendemos de ninguém mais o plano de nossa salvação, senão daqueles por meio dos quais o evangelho chegou até nós, o qual eles uma vez proclamaram em público e, em um período posterior, pela vontade de Deus, transmitiram a nós nas Escrituras, para tornarem-se a base e a coluna de nossa fé.” [2]

 

HIPÓLITO DE ROMA (170-236 d.C.)

“Há, irmãos, um Deus, cujo conhecimento nós obtemos das Sagradas Escrituras, e de nenhuma outra fonte. Pois assim como um homem, se deseja ser hábil na sabedoria deste mundo, se descobrirá incapaz de alcançá-la de outra forma que não dominando os dogmas dos filósofos, todos nós que desejamos praticar a piedade seremos incapazes de aprender sua prática de qualquer parte que não dos oráculos de Deus. Quaisquer que sejam as coisas então que as Sagradas Escrituras declarem, olhemos para elas; e tudo o que elas ensinam, vamos aprender.” [3]

 

TERTULIANO DE CARTAGO (160-235 d.C.)

“Será seu dever, entretanto, apresentar suas provas das Escrituras tão claramente quanto nós, quando provarmos que Ele fez de Sua Palavra um Filho para Si mesmo. [...] Todas as Escrituras atestam a clara existência e distinção de Pessoas na Trindade e, de fato, nos fornecem nossa Regra de fé.” [4] 

“Os hereges são incapazes de sustentar seus argumentos unicamente por meio das Escrituras.” [5]

 

ORÍGENES (185-254 d.C.)

“Ninguém, com o intuito de confirmar alguma doutrina, deve usar livros que não sejam as Escrituras canônicas.” [6]

“Todo o conhecimento a respeito das coisas [espirituais] deve ser estabelecido por meio das palavras de Deus que estão nos dois Testamentos. Mas, se permanecer alguma coisa que a Escritura não estabelece, não se deve receber nenhuma terceira Escritura para legalizar qualquer conhecimento ou doutrina.” [7] 

 

ATANÁSIO DE ALEXANDRIA (296-373 d.C.)

“As Sagradas e inspiradas Escrituras são totalmente suficientes para a proclamação da verdade.” [8]  

“Estas [as Escrituras] são fontes de salvação, para que os sedentos se fartem com as palavras vivas que elas contêm. Somente nelas é proclamada a doutrina da piedade. Ninguém acrescente a estas, nem retire nada delas. Pois a respeito disso, o Senhor envergonhou os saduceus, e disse: ‘Errais, não conhecendo as Escrituras.’ E Ele reprovou os judeus, dizendo: ‘Examinai as Escrituras, porque estas são as que testificam de mim.’” [9]

 

CIRILO DE JERUSALÉM (313-386 d.C.)

“Pois a respeito dos divinos e sagrados mistérios da Fé, nem mesmo uma declaração casual deve ser feita sem as Sagradas Escrituras; nem devemos ser desviados por mera plausibilidade e artifícios de linguagem. Mesmo a mim, que lhes digo essas coisas, não dêem crédito absoluto, a menos que recebam a prova das coisas que eu anuncio nas Escrituras Divinas. Pois esta salvação que cremos não depende de raciocínios engenhosos, mas da demonstração pelas Sagradas Escrituras.” [10]

BASÍLIO, O GRANDE (329-379 d.C.)

“Portanto, deixe a Escritura inspirada por Deus decidir entre nós; e de qualquer lado que sejam encontradas doutrinas em harmonia com a Palavra de Deus, a favor desse lado será lançado o voto da verdade.” [11]

“Qual é a marca de uma alma fiel? Estar nestas disposições de plena aceitação da autoridade das palavras da Escritura, não se aventurando a rejeitar nada nem fazer acréscimos. Pois, se ‘tudo o que não provém da fé é pecado’, como diz o apóstolo, e ‘a fé vem pelo ouvir e ouvir a Palavra de Deus’, tudo fora da Sagrada Escritura, não sendo de fé, é pecado.” [12]

“Não nos baseamos unicamente no fato de que esta é a tradição dos Pais. O importante é que os Pais seguiram o significado da Escritura.” [13] 

 

GREGÓRIO DE NISSA (335-395 d.C.)

“Não temos direito a tal licença, ou seja, de afirmar o que quisermos. Pois fazemos da Sagrada Escritura a regra e a norma de toda doutrina. Sobre ela, somos obrigados a fixar nossos olhos, e aprovamos apenas o que pode ser harmonizado com a intenção desses escritos.” [14] 

“Deixe que as Escrituras inspiradas sejam nosso árbitro, e o voto da verdade será dado àqueles cujos dogmas concordam com as palavras Divinas.” [15] 

 

AMBRÓSIO (337-397 d.C.)

“Não sigam as tradições da filosofia ou aquelas que têm aparência de verdade no ‘vão engano’ das artes de persuasão. Em vez disso, aceitem, de acordo com a regra da verdade, aquilo que é apresentado nas palavras inspiradas de Deus e é derramado no coração dos fiéis por meio da contemplação de tal sublimidade.” [16]

 

JOÃO CRISÓSTOMO (347-407 d.C.)

“Portanto, eu exorto e rogo a todos vocês: desconsiderem o que este homem e aquele homem pensam sobre essas coisas e investiguem todas essas coisas nas Escrituras; e tendo aprendido quais são as verdadeiras riquezas, vamos buscá-las para que possamos obter também as coisas boas eternas.” [17]

“Em relação às coisas que digo, devo fornecer até as provas, assim não parecerei confiar em minhas próprias opiniões, mas sim, prová-las com as Escrituras, para que o assunto permaneça certo e constante.” [18]

“Chega um pagão e diz: ‘Desejo tornar-me cristão, mas não sei a quem me juntar: há muita luta e facção entre vocês, muita confusão; que doutrina devo escolher?’. Como devemos responder a ele? ‘Cada um de vocês’ (diz ele), ‘afirma: Eu falo a verdade.’ Sem dúvida, isso está a nosso favor. Pois se dissermos para você ser persuadido por argumentos, você pode muito bem ficar perplexo; mas se pedirmos que você acredite nas Escrituras, e elas são simples e verdadeiras, a decisão será fácil para você. Se alguém concorda com as Escrituras, ele é cristão; se alguém luta contra elas, ele está longe desta regra.” [19] 

AGOSTINHO DE HIPONA (354-430 d.C.)

“O que mais posso ensinar a vocês, se não aquilo que lemos no Apóstolo? Pois a Sagrada Escritura estabelece uma regra para o nosso ensino, para que não ousemos ‘ser mais sábios do que convém’, mas ser sábios, como ele diz, ‘até a sobriedade, conforme a medida da fé que Deus distribuiu a cada um’. Portanto, que eu não lhe ensine qualquer outra coisa, exceto expor-lhe as palavras do Mestre e tratá-las como o Senhor me houver dado.” [20]

“Não podemos concordar com o ensino nem mesmo dos bispos católicos, se a qualquer momento eles forem enganados em opiniões contrárias às Escrituras canônicas de Deus.” [21] 

“Pois os raciocínios de quaisquer homens, mesmo que sejam [verdadeiros cristãos] e de grande reputação, não devem ser tratados por nós da mesma maneira que as Escrituras canônicas são tratadas.” [22] 

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“Que sejam retiradas de nosso meio as coisas que citamos uns contra os outros, mas que não são extraídas dos livros canônicos divinos, e sim, de outros lugares [...] porque não quero que a santa igreja se estabeleça com base em documentos humanos, mas sim, nos oráculos divinos.” [23] 

 

JOÃO DAMASCENO (675-749 d.C.)

“É impossível dizer ou compreender totalmente qualquer coisa sobre Deus além do que foi divinamente proclamado a nós, seja dito ou revelado, pelas sagradas declarações do Antigo e do Novo Testamento.” [24]

Em conclusão, cito a afirmação do professor Nathan Busenitz de que “pode-se estabelecer um argumento convincente para mostrar que um coro de vozes patrísticas antecipou a doutrina da ‘Sola Scriptura’ da Reforma [...] e que somente ela é a autoridade suprema para determinar aquilo que a igreja deve crer e o que deve ensinar.” [25] Nas palavras do estudioso do Cristianismo primitivo, J. N. D. Kelly (1909-1997), 

“A prova mais clara do prestígio desfrutado pelas Escrituras é o fato de que quase todo o esforço teológico dos Pais, quer seus objetivos fossem polêmicos ou construtivos, foi despendido no que equivalia à exposição da Bíblia. Além disso, era sempre tomado como certo que, para qualquer doutrina ganhar aceitação, ela tinha primeiro de estabelecer a sua base escriturística.” [26]

 

REFERÊNCIAS

[1] Contra as Heresias 1.8.1

[2] Contra as Heresias 3.1.1

[3] Contra as Heresias 9

[4] Contra Praxeas 11

[5] Sobre a Ressurreição da Carne 3

[6] Comentário ao Evangelho de Mateus 26

[7] Homilia sobre Levíticos 5

[8] Contra os Pagãos 1.3

[9] Carta Festal 39.6-7

[10] Aulas Catequéticas 4.17

[11] Carta 189.3

[12] A Moral

[13] Sobre o Espírito Santo 7.16

[14] Sobre a Alma e a Ressurreição

[15] Sobre a Santíssima Trindade

[16] Seis Dias da Criação 2.1.3

[17] Homilia 13 em 2 Coríntios

[18] Homilia 8 sobre o Arrependimento e a Igreja

[19] Homilia 33 sobre os Atos dos Apóstolos

[20] Sobre o Bem da Viuvez 2

[21] Contra Fausto 11.5

[22] Cartas 148.4.15

[23] A Unidade da Igreja 3

[24] Sobre a Fé Ortodoxa 1.2

[25] Nathan Busenitz, O Fundamento e a Coluna da Fé. In: John MacArthur (Org.) A Palavra Inerrante: Perspectivas Bíblicas, Históricas, Teológicas e Pastorais. São Paulo: Cultura Cristã, 2018, p. 131.

[26] J. N. D. Kelly, Early Christian Doctrines. San Francisco: Harper & Row, 1978, p. 42, 46.

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